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INFORMAÇÕES SUPLEMENTARES
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OS ESCOLÁSTICOS E OS MOVIMENTOS UNIFORMES E UNIFORMEMENTE VARIADOS | ||||||
No século XIV o estudo da ciência matemática ganhou um novo gás em Oxford. Podem-se destacar inicialmente dois dos grandes trabalhos que floresceram nesta época em Oxford: o tratado sobre proporções, de Thomas Bradwardine, e o Líber calculationum, de Richard Suiseth. Este último trabalho é considerado como o principal modelo de tais tratados sobre as latitudes das formas. Latitudes das formas? O que são “essas coisas”? Se você pensar no conceito de variável, você terá matado a charada! No capítulo inicial do seu texto, Richard Suiseth (reconhecido muitas vezes na literatura por “Calculator”) desenvolve considerações gerais sobre a variação de grandezas e a questão de como uma variável não uniforme corresponde ao seu máximo ou mínimo “gradus” (valor de intensidade). Veja o gráfico a seguir:
“(...) a intensidade média de uma forma [variável] cuja taxa de variação é constante em um intervalo, ou de uma forma [variável] que é uniforme ao longo de cada metade do intervalo, é a média da sua primeira e da sua última intensidade”. (apud Boyer, 1949, p.75) Os trabalhos de Suiseth influenciaram outro grande filósofo francês: Nicole Oresme (1323-82) (traduzido em textos da língua portuguesa por Nicolau de Oresme, Nicolau Oresme).
Segundo Boyer (1949), Oresme não foi o primeiro a usar a ideia de sistemas de coordenadas: os primeiros, conforme relata o historiador, foram os geógrafos da Grécia Antiga. Mas o seu trabalho, no entanto, representa um marco no estudo da variação com a representação por coordenadas. A “doutrina de configuração” do pensador francês considera que a velocidade instantânea (intensão) e o tempo (extensão) caracterizam formas tais como o movimento. A quantidade de movimento é, então, a distância percorrida em um dado período de tempo. Movimento uniforme e o movimento uniformemente variado são distintos e representados então pelos gráficos da figura 4. Figura 4 Não sei se você observou, mas fórmula de distância ($s$) é dada pela área da figura geométrica que representa o movimento, onde a altura é dada pelo valor da velocidade ($v$) e a base pela medida do intervalo de tempo ($t$) – no caso em que a figura é um trapézio, foi considerada a média dos valores inicial ($u$) e final ($v$) da velocidade, $\left(\displaystyle\frac{u + v}{2}\right)$, como fazemos aliás para calcular a área de um trapézio. Esta, talvez, tenha sido, como afirma Boyer (1949, p.84), a primeira vez que a área sob uma curva foi identificada como a medida de uma grandeza física. E, dessa forma, uma nova relação entre a física e a matemática se estabelece. A reticência à presença da ideia de movimento na matemática – como sugerira Aristóteles - estava com os seus dias contados. Os escolásticos permitiram de uma só vez a fusão do “qua” contínuo, da matemática, do “qua” movendo, da física, e do “qua” sendo, da filosofia, em uma doutrina admirável que irá, por certo, dar novos rumos à matemática e ao seu papel na construção do conhecimento científico. Foi dessa forma que o conceito de função começou a ser “matematizado”. E a função afim já aparece como modelo para os primeiros problemas da cinemática. |
MAIS SOBRE A FUNÇÃO AFIM... | ||||||||||||||||
Podemos observar diversas situações do cotidiano ou da ciência em que a função afim é bastante útil para modelar ou resolver um problema. Em geometria, por exemplo, o perímetro de um círculo é proporcional ao comprimento do seu raio e o perímetro de um polígono regular é proporcional ao comprimento do seu lado. Vejamos algumas outras situações em que função afim serve como modelo para a resolução de problemas. Diz-se que o movimento de um ponto é uniforme em relação a um referencial $S$, quando nesse mesmo referencial o ponto se move com velocidade constante ou, equivalentemente, se a sua aceleração é nula. A função horária do movimento uniforme é uma função do 1º grau em $t$: $s = s_{0} + vt$, onde $s$ é a posição do objeto, $s_{0}$ é a posição inicial, $v$ é velocidade do ponto diferente de zero e $t$ é o tempo.
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CARACTERIZAÇÃO DA FUNÇÃO AFIM | ||||
Com base nas atividades do módulo, observamos que uma função afim $f : $
Suponha agora que tenhamos uma função $f : $ Teorema (Caracterização das Funções Afins.) Seja $f : $ Demonstração: Denote $Δx$ por $h$. Assim, $\Delta{y} = f(x + h) - f(x) = g(h)$. Suponha, sem perda de generalidade, que a função $f$ seja crescente. Então $g : $
Observe agora que $g(nh) = n\cdot{g(h)}$ qualquer que seja $n \in \mathbb{N}$. De fato, Para $n = 1$, $g(1\cdot{1}) = g(1) = 1\cdot{g(1)}$. Suponha verdadeiro para $n = k$, isto é: $g(kh) = k\cdotg(h)$. Provemos agora que é verdadeiro para $k + 1$. O que implica que $g(nh) = n\cdot{g(h)}$, qualquer que seja $n \in \mathbb{N}$. Assim, se considerando $a = g(1)$, tem-se $g(h)=ah$, para todo $h \in $ Quer dizer, $f(x + h) - f(x) = g(h) = ah$, para todo $h \in $ Denotando $f(0)$ por $b$, obtêm-se: o que implica que $f(h) = ah + b$, ou seja, Obs.: A passagem assinalada com (*) na demonstração acima não foi provada. Ela precisaria ser examinada com mais cuidado. Segue então uma demonstração para o resultado. Proposição: Seja $f : $ Demonstração: Provaremos inicialmente que, para todo número racional $r = \displaystyle\frac{m}{n}$, $f(rx) = rx$, qualquer que seja $x \in $ Com efeito, tem-se Logo Seja $a = f(1)$. Observe que $f(0) = f(0\cdot{0}) = 0\cdotf(0) = 0$. Como $f$ é monótona (suponha, por exemplo, que $f$ é crescente), $a = f(1) \gt f(0) = 0$. Neste caso ($f$ crescente), $a$ é positivo. Além disso, temos $f(r) = f(r\cdot{1}) = r\cdot{f(1)} = ra = ar$ para todo $r \in \mathbb{Q}$. Resta agora provar que $f(x) = ax$ para todo $x \in $ Suponha, por absurdo, que exista algum número real $x$ (irracional) tal que $f(x) \neq ax$. Admita que $f(x) \lt ax$ (a demonstração do caso $f(x) \gt ax$ é feita de modo análoga). Logo, Tomemos um número racional $r$ tal que Então $f(x) \lt ar \lt ax$, ou seja, $f(x) \lt f(r) \lt ax$. O que é um absurdo, pois $f$ é crescente. Logo, como $r \lt x$, deveríamos ter $f(r) \lt f(x)$ Observe que se tivéssemos admitido que $f(x) \gt ax$. Tomemos um número racional $r$ tal que Então $f(x) \gt ar \gt ax$, ou seja, $f(x) \gt f(r) \gt ax$. O que é um absurdo, pois $f$ é crescente. Logo, como $r \gt x$, deveríamos ter $f(r) \gt f(x)$ Pra fechar de vez a demonstração, falta analisar o caso em que $f$ é decrescente. Mas, isto, fica como exercício.
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REFERÊNCIAS |
Boyer, C. B. (1949) The History of the Calculus and its Conceptual Development. New York: Dover Publications Inc. Hughes-Hallett, D., Gleason, A. M., Lock, P. F., Flath, D. E. et al. (1999) Cálculo e Aplicações. São Paulo: Editora Edgard Blücher LTDA. Lima, E.L., Carvalho, P. C. P., Wagner, E. & Morgado, A. C. (2001) A Matemática do Ensino Médio. Coleção do Professor de Matemática. V. 1. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Matemática. |
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