ALGUNS EXCERTOS DO DIÁLOGO TIMEU DE PLATÃO

Em primeiro lugar, é claro para toda a gente que o fogo, a terra, a água e o ar são corpos, e que todos os corpos são sólidos. Todos os corpos são limitados por superfícies e todas as superfícies retilíneas são compostas por triângulos. Há dois tipos fundamentais de triângulos, cada um deles tendo um ângulo reto e dois ângulos agudos; num deles estes dois ângulos são metade de ângulos retos, sendo subtendidos por lados iguais; no outro, são desiguais, sendo subtendidos por lados desiguais. Postulamos isto como a origem do fogo e dos outros corpos, combinando o nosso argumento a verosimilhança e a necessidade; as suas origens últimas são conhecidas dos deuses e dos homens a quem os deuses amam.

Devemos continuar a indagar quais são os quatro corpos mais perfeitos possível que, embora diferentes uns dos outros, são capazes de se transformar uns nos outros por resolução. Se conseguirmos encontrar a resposta para esta questão temos a verdade sobre a origem da terra e do fogo e dos dois termos entre eles; porque nunca admitiremos que haja corpos visíveis mais perfeitos que estes, cada um do seu tipo. Assim, devemos fazer o possível para construir quatro tipos de corpo perfeito e defender que compreendemos suficientemente a sua natureza para atingirmos o nosso objectivo. Dos dois triângulos fundamentais, portanto, o isósceles tem uma única variedade e o escaleno um número infinito. Devemos por conseguinte escolher, se vamos começar de acordo com os nossos próprios princípios, o mais perfeito deste número infinito. Se alguém nos puder indicar uma melhor seleção de triângulo para a construção dos quatro corpos, essa sugestão será bem-vinda; mas pela nossa parte propomo-nos passar por cima de todos os restantes e selecionar um único tipo, aquele cujo par compõe um triângulo equilátero. Seria uma história demasiadamente longa explicar a razão, mas se alguém conseguir apresentar uma prova de que assim não é, essa proeza será bem recebida. Assumamos então que estes são os dois triângulos a partir dos quais o fogo e os outros corpos são construídos: um isósceles e o outro com um lado maior cujo quadrado é o triplo do menor […]. Temos que descrever seguidamente a figura geométrica de cada corpo e indicar o número dos seus componentes. Começaremos com a construção da figura mais simples e menor. A sua unidade básica é o triângulo cuja hipotenusa tem o dobro do seu lado menor. Se se juntarem dois destes triângulos, com a hipotenusa como diâmetro da figura resultante, e se se repetir o processo três vezes, fazendo coincidir os diâmetros e os lados menores das três figuras no mesmo vértice, o resultado é um simples triângulo equilátero composto de seis unidades básicas. E se se juntarem quatro triângulos equiláteros, três dos seus ângulos planos encontram-se para formar um só ângulo sólido, aquele que aparece imediatamente a seguir ao mais obtuso dos ângulos planos; e quando quatro destes ângulos tiverem sido formados o resultado é a figura sólida mais simples, que divide a superfície da esfera, circunscrevendo-a em partes iguais e similares.

A segunda figura é composta dos mesmos triângulos básicos reunidos para formar oito triângulos equiláteros e que formam um só ângulo sólido a partir de quatro planos. A formação de seis destes ângulos sólidos completa a figura número dois.

A terceira figura é formada a partir de cento e vinte triângulos básicos e tem doze ângulos sólidos, cada um deles limitado por cinco triângulos equiláteros planos e vinte faces, cada uma das quais é um triângulo equilátero.

Depois da construção destas três figuras dispensa-se a primeira das nossas unidades básicas e utiliza-se o triângulo isósceles para a produção do quarto corpo. Quatro destes triângulos são juntos com os seus ângulos retos encontrando se num vértice para formarem um quadrado, Seis quadrados postos em conjunto completam ângulos sólidos, cada um deles composto por três ângulos retos planos. A figura do corpo resultante é o cubo, com seis faces quadradas planas.

Faltava ainda uma quinta construção que deus utilizou para organizar todas as constelações do céu.

[…]

Devemos prosseguir distribuindo as figuras cujas origens acabamos de descrever pelo fogo, terra, água e ar. Atribuamos o cubo à terra, uma vez que é o mais imóvel dos quatro corpos e o que tem a forma mais estável, sendo estas características que deve possuir a figura com as formas mais estáveis. E relativamente aos triângulos básicos assumimos que o isósceles tem uma base naturalmente mais estável do que o escaleno, e que das figuras eqüiláteras compostas por eles o quadrado é, no todo ou em partes, uma base mais firme do que o triângulo equilátero. Mantemos assim o nosso princípio de verosimilhança atribuindo-o à terra e, de forma semelhante atribuímos à água a menos móvel das outras figuras, a mais móvel ao fogo e a intermédia ao ar. E de novo atribuímos a figura mais pequena ao fogo, a maior à água, a intermédia ao ar; a mais cortante ao fogo, a segunda mais cortante ao ar e a menos cortante à água. Resumindo, a figura que tem o menor número de faces deverá ser, pela natureza das coisas, a mais móvel, assim como a mais cortante e a mais penetrante e, finalmente, sendo composta pelo menor número de partes semelhantes, a mais leve. A nossa segunda figura será a segunda em todas estas características, e a nossa terceira será a terceira. Deste modo, a lógica e a verosimilhança exigem que olhemos a pirâmide como a figura sólida que é a unidade básica ou a semente do fogo; e podemos olhar a segunda das figuras que construímos como a unidade básica do ar, a terceira a da água.



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