Seguindo
[Wagner, 1997],
considere
a situação onde um atirador, com os olhos vendados, tenta
acertar um alvo circular com 36 cm de raio tendo no centro um disco vermelho de 3 cm de raio.
Se soubermos que o atirador acertou o alvo, qual é a probabilidade de que ele tenha atingido
o disco vermelho central?
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Note que, aqui, o espaço amostral é infinito (todos os pontos do alvo), como também é infinito o conjunto
dos casos favoráveis (todos os pontos do disco vermelho central). Mesmo não podendo
“contar” casos possíveis e casos favoráveis, é bem razoável
considerar que a probabilidade de acertar o disco central deve ser a razão entre as áreas do disco e do alvo,
no caso 1/144, menos de 0.7% (como o atirador está vendado,
não existem pontos privilegiados no alvo). Este é um exemplo de probabilidade geométrica:
se tivermos uma região B do plano contida em uma região A, admitimos
que a probabilidade de um ponto de A também pertencer a B é
proporcional à área de B e não depende da posição que B ocupa em A.
Portanto, selecionado ao acaso um ponto de A, a probabilidade de que
ele pertença a B será: p = (área de B)/(área de A).
A Parte 4
faz uma simulação através da qual é possível estimar o valor do número π
usando probabilidade geométrica (no caso A é um quadrado e B é o círculo inscrito no quadrado).
Probabilidades geométricas também podem ser definidas para regiões no espaço: ao invés de áreas,
volumes são considerados.
A Parte 5
faz uma simulação através da qual também é possível estimar o valor do número π,
usando agora regiões no espaço (no caso A é um cubo e B é a esfera inscrita no cubo).
Um outro problema de probabilidade geométrica bem interessante foi proposto pelo naturalista francês George Louis Leclerc (1707-1788), Conde de Buffon:
suponha que você esteja em uma sala cujo chão é feito de ripas retangulares de madeira,
todas com largura d. Ao se jogar uma agulha de comprimento a, com a ≤ d,
qual é a probabilidade da agulha ficar sobre um reta divisória de duas ripas?
Usando cálculo integral, é possível demonstrar que esta probabilidade é igual a
p = (2 a)/(d π).
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Estas conexões entre probabilidade e geometria formam a base da estereologia, campo interdisciplinar
cujo objetivo é estudar propriedades geométricas de objetos tridimensionais usando
métodos de amostragens: sondas geométricas (como pontos, retas, planos e regiões volumétricas)
são “jogadas” em um objeto tridimensional de interesse. A dimensão
da sonda geométrica depende do que se quer medir no objeto:
para se medir o volume do objeto, as sondas são pontos;
para se medir uma área no objeto, as sondas são retas;
para se medir comprimentos no objeto, as sondas são planos;
para se contar “pontos” no objeto, as sondas são regiões volumétricas.
Em cada caso, a interseção da sonda com o que se quer medir no objeto
são entidades de dimensão zero: pontos.
Se as sondas
são geradas aleatoriamente de forma apropriada, uma contagem destes pontos
fornecerá uma estimativa para a medida que se quer realizar.
São estes métodos matemáticos que permitem, através de um aparelho de raios-X,
obter medidas de objetos no interior do corpo humano, medidas estas
que são inacessíveis de forma direta.
A informação de que os pulmões humanos tem uma superfície (de troca gasosa)
equivalente a um campo de tênis foi obtida usando métodos estereológicos.
Outras áreas que usam estereologia: petrografia
(ramo da geologia que trata da descrição e classificação sistemática das rochas,
especialmente através do exame microscópico de seções delgadas), ciência dos materiais,
histologia e neuroanatomia.
É importante diferenciar estereologia de tomografia computadorizada.
Em tomografia computadorizada, o objeto de interesse é completamente reconstruído
a partir de suas seções planas e, a partir desta reconstrução, medidas podem ser feitas.
Em estereologia, o objeto não é reconstruído. As medidas são estimadas
usando-se processos de amostragem através de sondas geométricas.
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